domingo, 27 de junho de 2010

DOMINGO DE TEMPO COMUM


  MEU COMPROMISSO COM A VIDA
                  POR:RICARDO GONDIM

Olho para o passado com lascas de nostalgia e pontas de melancolia.Caminhos que nunca trilhei hoje parecem bem mais fáceis.Amores que exigiram coragem voltam a me seduzir para me deixar ainda mais triste.Aventuras que nasceram de narcisismos e falsas onipotências reclamam explicações;como justificar tanto delírio?Não,não pretendo remontar passado.Desisto de qualquer tentativa de ressuscitar o que jaz sob o lajeado da decepção.
  Para refazer meu compromisso com a vida,abandono o rigor de um humanismo idolátrico.Não idealizo as iniciativas ideológicos.Sei que toda instituição convive com o germe de sua própria inutilidade.Também não me prostro no altar do niilismo;descreio da capacidade humana de erguer-se pelos próprios cadarços.Meu existencialismo é frágil,carregado de suspeita.Minha religião,cheia de decepção.Minha ideologia agoniza debaixo dos escombros da modernidade.
   Para refazer meu compromisso com a vida,largo na beira da calçada as metas-narrativas.Desconfio dos projetos globais.Incoerência entre discurso e prática me desesperam.A incapacidade de vertebrar o que acredito de coração me enjoa.Criei cismas.Rio por dentro;é meu jeito de sobreviver aos ufanismos que tanto me irritavam no passado.Sei que preciso aniquilar os fantasmas que me deixaram com a sensação de ser um deus.
   Para refazer meu compromisso com a vida,desisto de tentar levar a ferro e fogo qualquer coisa.Erros me fizeram bem.Boas ações me arruinaram.Amigos me entristeceram.Desconhecidos me acolheram.Quando planejei,empaquei.Por outro lado,inesperadamente a vida deu certo sem planejamento.Sofri também com pecados.Paguei um alto preço por ser indolente.Mas,incrível,quando deixei para o dia seguinte o que deveria fazer hoje,foi bom.
   Para refazer meu compromisso com a vida,quero ser leve como a pluma que escapou da asa do cisne,denso como o ruço que cobre a madrugada,escuro como a noite tropical sem lua,e transparente como o mar Mediterrâneo.Hei  de aprender a não discursar.Almejo se mais enfático mas só em ternura;mais brando em afirmações.Pretendo rearrumar minha oratória.Quero voltar a olhar para o nada,como as crianças;a entrecortar frases com longas pausas,como os monges;a ritualizar os instantes como os namorados.
   Para refazer meu compromisso com a vida,espero envelhecer sem casmurrice.Acolher as doidices dos jovens,lembrando como as minhas faziam sentido.Celebrar cada manhã como uma ressurreição.Aguardar o pôr-do-sol como uma grávida anseia pelo primeiro choro do filho.Plácido como um lago entre duas montanhas,espero encarar a morte.E que não reste nenhuma nesga de frustração em minha alma.E que eu descanse no sábado final com um sorriso maroto.sorriso de quem foi embora dizendo:"valeu viver...".

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